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sábado, 2 de junho de 2012

Crônicas de Ontem 2


Não eram muitos. Apenas um punhado deles me cercava. A velha das sombrinhas de cinco reais tomou a dianteira, procurando ver nos meus olhos algum sinal de súbito interesse. Um único ônibus na cabeça da rua, aproximando lentamente.


Olhei o pipoqueiro atrás de mim. Estávamos separados apenas pela tela grossa de vidro do ponto. Ele sabia o que se passava e segurava tenso um pedaço de bacon. Óleo de soja estalava na panela, diante de seus olhos misericordiosos.







Eu já havia desistido, àquela altura, quando a velha se abrigou sob o mesmo teto e me lançou um sorriso amarelo-acinzentado. O ônibus estava próximo, mas o tempo era suficiente. Ela entreabriu os lábios, linhas de saliva se projetaram na luz artificial dos postes, pregadas aos lábios rachados, mas sua fala não se completou. Vários caroços de milho atravessaram os limites do ponto, pela soleira larga, parando entre nós dois, a velha e eu. Ela observou com algum ceticismo aquelas pequenas jóias amarelas, mas sua face não demorou a revelar o poder que ali havia sido conjurado: por trás de mim, um bando de pombos sem-noção surgiu como se estivessem atrasados pra buscar o Pequeno Príncipe. 


Enquanto a idosa se protegia da sensação de ataque, aproveitei pra saltar dentro do ônibus já parado. Os demais circundaram o ponto e me encaravam pela janela. Mas eu só conseguia ver o pipoqueiro, que acenava sorrindo com o bacon na mão.

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