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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

despencam os graus a menos

Sexta-feira mais fria na cidade, sem motivos pra ser que me abalem, mas um fato inegável chama atenção: adeus ar condicionado. Ao menos por uma noite, enfim, ar espontâneo, sem qualquer serpentina gelada pra ditar os liames dessa relação. Ar desobrigado, fôlego simpático aos pulmões, brisa de leve que escapa aos morros sem assobiar canção alguma, sem trazer perfume que seja, despido de qualquer impressão que não a do leve choro.

Muitas nuvens no céu de sexta, tanta promessa d'água começa a minguar os planos deste que tenta, mal projeta, mas sonha fundações, facilidades corporais e pequenos flashes de azulejos comidos pelo tempo, ácido e impassível. É uma sexta de cinzas com aquela luz branca que esmorece por dentro, pesa nas vistas, coloca os membros numa vontade imperiosa de se estirar, enquanto o estômago pede por carinhos insidiosos a uma silhueta clássica.

Tantas saudades se misturam, ebulindo gritos muito rápidos, emulando lágrimas sobre pingos que espalham no primeiro bocejar sobre a pia rasa, quando a torneira não poupa a carne dos jatos excessivos de seu golfar. Meu corpo cheio de novos pêlos agora molhado na altura da barriga, sobre a pélvis, sim, nu ao banheiro, recém-chegado diante do espelho, aspecto antimodelo que meus olhos acostumaram a mirar. Guardo até certa afeição e de tal forma que as unhas se alongam pra fora, os dentes afiam num segundo; seja qual for o invasor, pouco é o tempo antes que os ventos o entreguem, antes que cada detalhe da epiderme faça alarde. Pelos pés, companheiro, voarás horizontes sobre a tua inconfundível assinatura.

No silêncio meus pensamentos se multiplicam como ratos nascidos de velhas camisas, porque ficam pelos cantos, essa mania de não se organizar. Quero um cigarro, cartas de amor, ídolos de barro.

Quero um motivo sem rastro.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

qualquer dia a gente vai se encontrar

Faz mais de um ano que sai por aí. Meti a mochila nas costas e comecei a conhecer pessoas que na internet dividem comigo uma série de afinidades. Fui ao Ceará, a São Paulo, a Minas Gerais, ao Rio Grande, a Curitiba, e nessa trajetória assomaram não só as faces, mas as vidas que cruzaram com a minha em pontos tão diversos quanto essenciais. Sim, porque meu projeto de essência é o de colher essas amizades significativas, cheias de sorriso e espera, de diferenças em guerra, de amor horizontal.

Quando os corpos se deitam, seja sobre a mesa ou na cama, seja num abraço ou na língua, ocorre em mim a verdade universal: a comunhão. Alguns se surpreenderam quando Alex Supertramp, a personagem do jovem Christopher McCandless de Into the wild, disse que a felicidade só era possível quando compartilhada. Já o antigo jazz nos dizia, em Nature boy, que a unica grande coisa a se aprender é amar e ser amado em retorno.

A solidão me é o "poço do poço do poço", como diz Caio Fernando Abreu, na introdução de seu Ovo apunhalado. Acostumado ao escuro, tateio as lembranças em busca daquela alegria que me traduzia, muita vez em silêncio, quando ao lado das pessoas que prezo. Quantas vezes foram apenas passos dados numa rua vazia, a cerveja dividida a dois no bar prestes a fechar, o sol que nasce sobre as bolsas feridas no rosto cansado de vigília. E por que nos vigiamos, se não porque em nós o amor é um canto uníssono? Se você não canta, então eu lembro do assobio distraído, da risada sem freios, do abraço jogado e do bilhete que ficou às margens. Música pra me levar pela vida a fora.

Eu seria iminência, um quase-fato, acontecimento por vir, não fosse o espaço em que acontecemos tantas vezes juntos. Espero que o futuro nos reserve mais tempo, até que a casca dessa grande samaúma que somos arrebente de uma vez e espalhe as memórias ao redor, lavando o terreno com o que deve ficar. Não ficarei, nem vocês ficarão, mas até o fim seremos juntos essa coisa sem explicação e sem tempo definido. Amo vocês, meus amigos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

último gole de lástima

colo estes cacos
como calos antigos
constroem charcos -
rio apresado de bar

queixei o colo farto
partido aos gritos
vestígios não restaram
atrás das tuas costelas

aflito com isso
conquisto o tempo movediço
atiro meu viço no espaço
pra te constelar

brilha silêncio bandido
sozinho entre amigos
como se o destino fosse
mirar horizontes finais

ouvindo velhos sinos
que dobram em cima das seis
sinto no espírito sóbrio
lamentar o que se desfaz

profissão de fé

Artista e político não deveriam receber um centavo pela atividade que desempenham. A atividade que realizam não é uma necessidade, mas uma busca pelo aperfeiçoamento espiritual da vivência e da convivência. A política, organizando e garantindo o que desejamos enquanto coletividade, e a Arte, expressando a universalidade desta mesma comunhão.

Quando as tornamos uma prestação de serviço, arriscamo-nos à corrupção, à desvalorização do trabalho em prol do soldo, cada vez maior, capitaneado pela ambição de atingir um certo status. Os valores primordiais que devem reger a criação do artífice caem por terra diante da possibilidade de ascensão social.

Se ao trabalhador fosse dada a chance de ter uma profissão estável, com remuneração justa e tempo suficiente pra que possa viver para além das obrigações, a produção artística não seria limitada pela necessidade, assim como a visão daquele que deve cuidar dos direitos do cidadão. Teríamos esferas de criação e execução livres desse câncer chamado "necessidade".

A carência aleija. Posso estar errado? Sim, mas quem estiver certo, por favor, que se manifeste, porque não consigo pensar em nada melhor no momento, não enquanto vejo pessoas enriquecendo com trabalhos medíocres, muita vez celebrados como "obras de uma vida inteira de dedicação...".

Meu ovo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

shape of things to come

Borges diz, em seu Livro dos sonhos, que não há forma neste mundo que não possa encerrar o horror. Na verdade, acho que toda forma é um receptáculo vazio de significação à espera do homem, uma espera velada, uma espera que na verdade é já um preenchimento. O próprio conceito de forma é um preencher.

Injetamos o veneno, queremos que seja antídoto, a dose é um mistério do empirismo e a própria graça.

Meu vagão está vazio, as coisas passam rápido pela janela e ainda consigo ouvir a música que aos poucos vai sumindo. A trupe percorre a máquina, toca pra quem quiser, mas não pára, pula de carro em carro. Olho os trilhos e tenho pensamentos de morte. Quero ir atrás do espetáculo, lá a finitude dança e ri, embriaga-se de si e quando desfalece é pra ressurgir.

Tenho a solidão por companhia e sonho com melodias leves.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Calça Curta

Saia Justa, na GNT, que coisa incrível! Como quatro mulheres conseguem ser tão superficiais em seus comentários, até idiotas, mesmo, não sei. Mônica Waldvogel é a menos esdrúxula, mas ainda assim pisa fora do riscado fácil.

Agora, por exemplo, estou vendo as meninas. Veja, Waldvogel fala de um romance. Uma mulher casada que pode ou não beijar um cara. O livro se bifurca e ela passa a narrar as duas possibilidades. Bom, com essa sinopse eu só posso dizer que a obra não me interessou em NADA. Grande merda essa bifurcação, por acaso ela já ouviu falar de Autran Dourado? "Ah, mas ela tem de vender...", dizem. Bom, e eu tenho de falar mal daquilo que é ornado pra parecer ouro. Simples.

Maitê Proença, não obstante sua medíocre performance em terra lusitana, faz dois comentários indispensáveis sobre a literatura:

- o amor na literatura tem de ter sofrimento, rasgação de seda, senão não tem graça.
- a literatura, como a vida, nos coloca diante de bifurcações.

Primeiro, o amor pode e deve ser poético, fruto da criação mesma, sem restrições apriorísticas que só contribuem para a estagnação do pensamento. Segundo, a vida nos apresenta muito mais do que bifurcações. Sempre existe múltiplas escolhas.

Mas pra quê ser razoável quando se alcançou o sucesso midiatico, não? Você pode simplesmente botar sua cara na tevê e falar um monte de leviandades.

Bom, vou seguir assistindo o brilhante pensamento destas autenticas mulheres, destes exemplares vivos de intelectualidade contemporânea em território nacional. Sinceramente, tem gente que precisava tomar semancol na veia.

O Diário de Saulo Laporta - O crack da bolsa

Como é que foi? Quando eles a atiraram ao chão, meu primeiro impulso encheu a mente de imagens. A boca, de saliva. Queria desmembrá-los lentamente, cada parte separada ao gosto da violência que gestava com um prazer inexplicável. Eu não os permitiria nem alimentar a terra com o que traziam nas entranhas. Eram cinco e estavam armados, descarnados, as caras suadas metidas em expressões pouco conhecidas da gente. O corpo bateu contra a pedra, ossos e concreto digladiando pela posse do impacto como quem passa batata quente. Vitória da calçada seca, de onde sobe um calor desumano, leito pro corpo que repousa em estado de choque. Ela xinga, pragueja. Ele ri, xinga de volta, está à vontade com o circo armado pro espetáculo bárbaro.

- Como é que é?

Como poderia descrever os próximos eventos? Por dois motivos, não poderia. Primeiro, consigo lembrar apenas de alguns fragmentos do que vi e, depois, em segundo lugar, não vi muita coisa. Desmaiei assim que o tiro atingiu o 762, onde meu algoz apoiava o queixo. A trava se soltou, o disparo arrancou grande parte da cabeça. Vi quando alguns pedaços do rosto atingiram o meu, quando o sangue espirrou sobre a vista e o corpo tombou. Não demorou senti que as forças faltariam e minha luz se perdeu no meio dos zunidos.

Ao acordar, nada havia mudado, a não ser pela música. O silêncio imperava sobre todas as coisas vivas e mortas. Fiquei cerca de um minuto olhando o céu azul que se fechava em matiz espacial, até que resolvi encarar os fatos. Estavam todos mortos. Por um instante, achei que ela tivesse escapado, mas seu corpo estava mais à frente, dois disparos nas costas. Sentei sobre a tampa do bueiro, onde antes estendi a camisa, e acendi um cigarro. O pão vem pela manhã, café na vendinha que abre pontualmente às sete, o riso das crianças nas áleas imensuráveis da infância tecendo um pano grosso de fundo.

- Como é que vai ser?

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

sexta-feira in chamas

Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões
Todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível
Meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar
Nem ficar tão apaixonada, que nada!
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

referencial

daqui as casas são tão pequenas e
as nuvens parecem tão fáceis de fazer
pessoas não oferecem risco algum
de repente perco o respeito por deus e penso
"sou material de finitude
mas meu pensamento é espírito de encarnação"

daqui as nuvens são tão pequenas
as pessoas parecem tão fáceis de fazer
a casa não oferece risco algum
de repente perco o respeito por mim e penso
"sou mais do que jamais fui
mas o espírito pesa em meu coração"

daqui as pessoas são tão pequenas
as casas parecem tão fáceis de fazer
a nuvem é fofa mas não oferece risco algum
de repente perco o equilíbrio por um segundo e caio
"fui mais do que jamais serei
mas meu coração cavalga o espírito indomável"