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domingo, 20 de dezembro de 2009

lembrança de uma dança inventada

Pouco tempo tinha antes de começar. Antes de começarmos: foi um desespero. Não bastasse tua beleza agredindo meu espírito (a calma se perdeu em uma embriaguez de ritmos), agora incandescente, por um momento desmedido, cem passos rasos por segundo se misturavam ao cenário trevoso do clube, colidindo com sorrisos nada familiares e suores frios que vinham, no fundo, de medos antigos.
Então, numa jogada surpresa, você me toma a mão, assim sem mais, e sorri como se nem de carne fosse, como se a maldade em dose de maravilhar, pequena e equilibrada, malemolente lâmina cor de âmbar que se desenrola num rodopio só pra sambar no meu riso bobo; faz uma vez, de novo e de novo, e se penso em correr é para o meio do salão, de braços abertos e olhos fechados como faço sempre que tudo escurece longe do teu abraço.
Dançamos com o coração. Erro, você ri. Rezo, você sente. Desisto e você, descrente do que insisto, resiste ao endurecer das juntas e conduz pela coluna, onde estão alicerçados meus demônios e os antônimos de inúmeros males que adquiri na passagem, até agora. Se toca algo complexo, esqueço, não sei como é ser correto neste ambiente rígido de tantos devaneios, corporificados em movimentos que recordam o espectro de certo enleio em algumas rotinas horizontais. O tempo é um frisson de funda rápida, num giro e acabamos.
Ele vem no meio do povo, se aproxima com sede nas mãos nervosas. Sabia, já há muito que olhava, queria, esperava só a chance e perdeu a paciência no último bolero. “Virou”, agora é a vez do homem, vem cobrar seu prazer licenciado pelos costumes deste lugar. “Dá licença”, diz, “se incomoda se eu dançar com ela um pouco?”, e me incomodo, e minha mão sua e quero não lhe dizer apenas que não pode, mas que deve suprimir o desejo, deve desfazer as imagens, conter os vestígios de fantasia que teve à sombra do bar; que precisa voltar para o lugar de onde veio antes que meus demônios batam asas em pares de guerra.
“Esta é nossa música”, você diz, “quando acabar é sua vez de dançar”. Respiro fundo, acompanha uma amargura espessa que gruda no céu da garganta, no seio da desconfiança brota o nome, palpitando feito uma fome que não pode ser saciada. Vai o ritmo, ele dá um sorriso largo, meus olhos procuram os ratos que devem estar em algum lugar, confabulando maneiras de roer as roupas dos súditos enquanto estão distraídos no altar de corpos movidos a álcool ou no terraço, onde ainda se pode acender um cigarro em paz. Ele espreita, do alto, perto da banda está com os olhos voltados pra cá. Não mexo mais um músculo, não tenho luz, nem pulso, nem meu bem-estar funciona mais até você mover o mundo e no meu ouvido, sem pudor nenhum, plantar um sussurro, “até que se acabe o som, fica de pé, seja meu homem e confia teu corpo à dança”. Dancei como se instar fosse eterno dois aqui, dois pra lá, mas um terceiro viu no silêncio meu esteio, a banda calada acompanhou com os olhos a massa que se deslocava até o microfone. Os pares se entreolharam, curtidos pelo silêncio prolongado, e antes que pudesse me afastar e dizer, “aqui está o teu lugar, está vago pra fazer jus às regras de convivência”, muito antes, quando um suspiro se perdeu de mim, teu arranjo para assobio trouxe de volta a batida, que ecoou por todas as esquinas e em toda minha vida veio passarinhar.
Nossa música nunca mais parou, a não ser quando ao deitar, em que abandonamos nossas melodias e nos declaramos dois afônicos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

nearly departed

crivarei teu parabrisa
de bala rosa choque
neste curto circuito
crítico que virou moda
assim com muita sorte
tira-se do teu rosto pálido
aquele sorriso amar-
elo amargando
não se desfaz tão fácil
o não verdes me incomoda e
faz deste cinzel uma sina
de pontiaguda cegueira
em que todo branco é berço
pro descanso da matéria que traz
no seio de um estúpido silêncio
a música dos nossos beijos ébrios

















- Zsuzanna Szegedi

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Você é tão inteligente!"

Não, você que se deslumbra com palavras.

O que é isso, inteligência? Capacidade inerente a qualquer ser humano passível de estímulos. Se não estimula, não dá resultado, mas se acontece, os resultados são quase sempre muito positivos (ressalva aos fisicamente deficientes - não seria eu um deles?).

Minha inteligência acumula fracassos como aquele que atrás das cortinas se enche das vaias a contemplar o atraso do espetáculo. O rosto banhado em suor, alimentado pelo medo que causa a contínua indolência, incerto sobre a máscara que vai usar e as falas que deve dizer pra chegar às palmas. Um bobo alegre inconsequente, fruta passada ainda verde. Big sem bang.

Encarar o abismo é uma vertigem só. Estou de cara pra mim e caindo...

sábado, 12 de dezembro de 2009

um spot de saudade

o holofote na cara: um ponto onde a ausência é presença constante.

E vejo altas horas às duas horas e menos que meia, já inteiramente enfastiado com as entrevistas medíocres e a sequência de retardados em plano astral. Mallu Magalhães toca Chico Buarque como qualquer idiota com mínima prática no instrumento faria e canta daquele jeitinho que mistura Trem da alegria e diazepam.

quem dá espaço pra ela? Pior é ver o Serginho dizendo, repetidamente, quase mendigando, "ela foi bem, né? não foi?". Que espetáculo embaraçoso essa menina, sinceramente.

Baixei O Grande Circo Místico do Chato Buarque e agora começo a ouvir. Amanhã, prova pro Ministério das Comunicações, na Praça Seca, lá na ponte que pariu. E eu me sinto um agente administrativo? E eu por acaso poderia ser um? Espero que sim, ou estou perdendo meu tempo amanhã. Ou "estaria"? Não, "estou", mesmo. Deixo que o verbo me entregue.

se eu olho pro agora, não vejo sentido: estou preguiçoso.
preciso daquele beijo que você sabe me dar.

um quando sem nome machuca meu sossego.

prece ao corpo

perdoa a dor que te dei
- sumo traumático
que nem um pneumotórax
ou o dramático tango de prata
podem calar
a menos que o fio da navalha...

mas será o benedito?

tenho medo de ter confundido
com um morcego bêbado
teu beijo que vinha nas asas do beija-flor
o que disseram que mandou
e que agora está enterrado atrás do sofá

não tenho coragem pra reconhecer mais uma vítima
do impulso destes punhos

já imagino uma abordagem:

vou colocá-lo numa moldura
pra quando chegar a estiagem
então vou preparar um pedaço de estante
onde vai depositada a saudade
entre quatro ripas de madeira decoradas
à lágrimas estanques

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A Saga do Caiçara

nos braços do Nhamundá

trago em minha canoa
um espírito calmo
escuro em suas cores
e corro estas correntes
preso ao motor da sorte

ao norte tem infinitos
mais ritmo e todo o risco
ao sul não dá mais
me rendo à memória
ao lado está os que ficam
de um e outro se afogam
veja lá
na escuridão do meu olvido
que agora entorna à onda

passado o véu em queda
quero a fresca das folhagens
que cobrem o céu sem estrelas
onde o sol a pino não perdoa -
as costas ardendo da peia
que é viver neste ribeirão
quero ter com as borboletas
mas fui impedido pelo tatu
sentado ao trono de thanatos
com as mãos e os pés jogados
de papo pro ar
enquanto os macacos gritavam
que havia há muito perdido
coroa e cabeça

trago em minha canoa
essa vontade afoita
de ser e ao ter estar permanente
mas já me escurece
é tempo de calar -
fala a palavra da noite
enquanto afogo o facho entredentes

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

mnemosine

bossa antirosa pra você lembrar de mim
pois nessa estória rigorosa que fazemos juntos
não há canto mais belo que o quintal do mundo

















chora devagar sem debruçar sobre espinhos
pois lá dentro fica o sentimento de que estamos
a um segundo da felicidade sem tamanho