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sábado, 30 de janeiro de 2010

sem

quero café e tudo que tenho é progresso
fé me falta e o que consigo é pó
paz na terra a minha carne exalta pelos poros
quanta promessa há para além desta madrugada?
as últimas estrelas fazem ronda antes do azul
meu sono vencido é só um rastro de rebeldia

que futuro mia logo ali na esquina?
espero o amarelo pra me refratar

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

absurdos cotidianos

Certas ideias me fazem pensar o quanto ainda estamos distante de uma resolução significativa pra maioria dos nossos problemas. Sejamos sinceros, a maioria das pessoas está de romantismo até o pescoço, e não é qualquer um, é do tipo que cega e prejudica nas decisões. Primeiro

Individualidade. A luta pela demarcação do sujeito enquanto indivíduo deve existir porque o alicerce de qualquer coletividade é a firmeza de suas unidades componentes, mas de forma alguma essa individuação pode concorrer com a harmonia do todo. Vivemos em sociedade, não sejamos os imbecis que a maioria tem sido até agora.

"Os dias de hoje mostram a decadência". Palhaçada. Nunca fomos tão inclinados a nos estabelecermos harmonicamente como agora. Temos canais de comunicação mundial, sabemos que as culturas são produto da mente, não de uma divindade bipolar, podemos discutir e criar espaços diversos com qualidade de vida. Vivemos os melhores dias desde que paramos de morrer aos trinta anos, acordem.

"a vida é assim". Mentira, a vida não tem autonomia sobre os viventes, não seja burro. Nada é, as coisas estão sendo, por trás dela existe um grande quadro onde alguém pinta a realidade e você compra por conveniência, como eu faço. O sentido é que ela não tem sentido, e por isso não enlouquecemos diante de algo que se apresentaria temporalmente distante, mas já consumado. Que destino tão sem graça seria assim aceito, de bom grado? A nulidade dos fatos humanos para além da sociedade é que torna possível a gama de fatos que surgem internamente, todos carentes de verdade absoluta e ao mesmo tempo cheios do dna coletivo que a memória histórica nos vem recordar.

"Geração Vietnã x Geração Iraque. Vai se fuder, como se houvesse de fato uma diferença grande entre essas gerações. Somos os mesmos idiotas guiados por informações da imprensa aliada, formação do caráter do inimigo e seu destino pós-guerra são parte da jogatina. Os acontecimentos são ilustrações culturais pra movimentos muito mais sutis que ocorrem em escala mundial, mas quem se importa? As pessoas não conseguem sequer se aposentar direito, quanto mais brigar por coisas em escala mundial e coletiva. Somos espectadores do teatro da guerra e adoramos. Cinema... Oprah... sbt... faz diferença onde a guerra acontece? Está rolando desde sempre, em variada escala, longe, perto, no Iraque, do lado da sua casa.

queria um cigarro...

domingo, 17 de janeiro de 2010

A menina da rodoviária

Ela estava pelos cantos, naquele dia. Seus olhos pequenos de enxergar pra dentro estavam maiores, como se em permanente estado de assombro. Sigo a mocinha com os olhos por um longo tempo, observante daquela morenice tênue a cavalgar os próprios passos em espaços compactos, onde teias de aranha se acumulam por descuido e imprecisão. Creio que seja a última vez que vejo Madu brincar de mim.

Pedi que juntasse as coisas. Nuvens imperiosas projetavam terríveis sombras nas janelas, vento forte uivava em seu caminho pelas tubulações irrequietas e, ainda assim, aquele tropeço se ouviu em todos os cantos que habito de alguma forma e que agora um alarme vem estremecer. Enfio as unhas na carne enquanto sozinha se ajeita, olha pra trás com a umidade colorida das órbitas, as mãos tirando não-sei-o-quê dos joelhos avermelhados. Segue.

- Mas é ainda muito nova... - um pensamento inocente inicia o descontrole.

Não choveu, mas caso acontecesse, Madu procuraria as marquises. Evita grupos, algumas pessoas querem tirar fotos da pequena, do seu vestido simples e de como tem coordenação e equilíbrio ainda tão! - segue. Continua até a rodoviária e procura um banco pra descansar. A baiana ao lado não resiste e puxa papo.

- Tá indo pra onde, meu amor?
- Pra lugar nenhum.
- Cadê tua mãe?
- Não tenho mãe.
- E teu pai, menina?
- Não teve escolha. Não tem importância, sabe? Certas coisas simplesmente ficam, ainda mais quando vão...
- Acho que essas coisas, nesses momentos de partida, entram debaixo do couro da gente.
- Tava tatuada perto do espírito. Deve doer rancar.
- Num sei, pra ser bem sincera nunca saí daqui. Trabalho naquela loja de 1,99 e de noite atendo na lanchonete. Durmo no banheiro ou então com algum. Comé teu nome?
- Ele me chamava de Maria Eduarda, Maduca, Madu, Mada, Maduda, Duda, Dadu, Dumaria, Marida, Maridu, Dada, Duminha, Madinha, dependendo do humor.
- E agora?
- Agora, não sei. Maria qualquer coisa.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Diário de Saulo Laporta - Save me the last dance

A versão de American Pie com a Madonna sempre me deixa enjoado. Não tem rostos, nomes, não tem datas, apenas a impressão escrotaça de passado inamovível. Cada gole dessa merda cara e sem graça desce feito um par de bolas suadas de chefe de sessão enquanto toca a maldita música no rádio do bar.

Eu a conheci em uma noite como essa. Na verdade, veio ao meu encontro. Escolheu um pedaço moreno, ginga de passista, os olhos cravados de um fogo que tocaria o inferno nas estâncias brancas lá de cima. Fomos para o banheiro e começamos a nos bater. Enquanto tentava evitar que ela perfurasse meus olhos com a pinça que trouxera na bolsa, pensava em até onde iria com esses rituais. Depois que a unha rasgou a carne do meu rosto, próximo aos olhos, não consegui mais raciocinar e atingi aquela cabeça erguida com a saboneteira de alumínio. Um ricochete na parede, outro no espelho e depois lona.

Ela fez questão de pagar a conta. Enquanto costurava a ferida na cabeça, concordamos em trocar telefones, mas não tínhamos trazido celulares de nossas casas idiotas. Tentamos guardar os números de cabeça, mas no terceiro ponto eu já confundia setes e cincos.

Quanto nos separamos, e lembro como se fosse ontem, ela vestia um short tão certo que cada passo era uma apoteose, cada instante flutuava ao redor do pêndulo sutil que o quadril fazia embaixo da cintura fina, a cabeça parada e os ombros bem alinhados enquanto ganhava a esquina, cada vez mais próxima do sumiço. A música ainda tocava, nem sequer dançamos. Estavam mortos, todos os passos, o ritmo, os tons haviam se lançado num progressivo fade away. E éramos bons.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

black hole sun

um dia nasce às vezes muito rápido.
na vista, quando já se vê, é tudo banhado em luz e com os contornos bem nítidos das coisas vivas.
o dia nasce e dá uma impressão violenta nas meninas.

meu dia cabe numa fatia de pão, penso. hoje é quarta, batidas na porta trazem a memória. o cheiro vem sem freios: pastel ainda quente da feira. quero um bocado, um gole de caldo, papel pra me limpar no canto dos lábios.
o dia segue em pequenas ondas de ternura. Ed Motta às onze e meia e nenhuma promessa de chuva. xilofones me ultrapassam.

atrás da claridade mora um futuro de asas cortadas, criado debaixo da saia. afasto as cortinas pra ver o claro cair, mas é cedo. uma coroa me avilta no céu. grandes expectativas preenchem fatos doídos e o suor que ofereço é um segredo de estado. sinto que passo tangente e meus limites não mentem - um derivado vago de tudo que geme é o cerne dessa bobagem.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

maria the second

É como um pesadelo, ela, seguindo esse elo com a noite. Lunescida, na infância passarinhou pelas antenas de tevê, ignorando o brilho das estrelas cadentes, cometeu suicídios para fotonovelas explícitas, gritou por socorro e acusou os pais de idolatria enquanto usavam o liquidificador. Colocava pregos no altar quando queria fazer discursos mais longos diante do espelho: uma hora dava. Mergulhava o pirulito nas garrafas, malhava as persianas de janela aberta, crua que nem um pedaço, espalhando o caldo nas frestas do taco onde deitava tapetes até secar. Subiu no parapeito para ver o vizinho, um bodoque vesgo de berço, burro que só um rabo, moleque azedo criado pela avó de consideração. Problemas no abdutor, o pai vira o pé, o peso enverga o corpo que sem apoio tomba, o ombro desce feito martelo e arremessa o vaso num voo de metros até o tanque.

tadinha de maria
que era tão bonita
menina muito nova
cabeça de algodão
queria acordar tarde
viver de sacanagem
morar noutra cidade
andar na contramão

no pátio tem a mancha
no pátio tem a mancha

não esqueço aquela poça na pia
nem os olhinhos de vidro no espaço
não quero mais ser aquele vizinho
nem passar uma noite acordado


maços de cigarro cor champagne. quer um vício digno de fantasiar: acordará todos os dias para alimentar caroços de câncer alaranjados que estão alojados nas jaulas próximos ao falecido rinorizonte. com as gramas de haxixe que Baudelaire fez em flores aos pés da esfínge monumental. dizer adeus progressivamente. bílis silenciosa.


- Bom dia.
- Como vai?
- Sem anestesia.
- se importa com a Grande Marcha?


na chuva o choro se disfarça.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Diário de Saulo Laporta - Madrugada dos mortos

O toque do telefone, onde acontece? É no fundo, longe do tato e do entendimento, só um som que começa a fazer conexões e de repente um puxão traz de volta o homem à consciência: os fatos são como trunfos nas mãos de jogadores cerimoniosos. Fundo ao respirar. Novo mundo se levanta com a cara branca no escuro olhando fixo à espera de uma reação, de um contrário pra dar mãos a outros em pares ordenados pelo princípio da implosão.
Uma chance, ela espalha, uma vaga singular, os ruídos ao redor parecem cama de gato. Bolhas, tanto borbulham os pensamentos que estouram antes que se possa ver o filme de algum entendimento. E ainda assim, doce, um lance súbito de clareza que atravessa a demência e se instala no seio da compreensão. Por um segundo é nítido, tão claro que os dedos roçam a rígida ideia do perpétuo latente, viver não da música, mas da iminência da nota, onde não se guardam quantas músicas por revelar?
Na travessia vejo, já, que não está ali. Forjo resquícios de pegadas, chamo de meu achado o pedaço de tecido que ficou preso nos espinhos de uma rosa tatuada. Sem dúvida os sinais são evidentes, ali esteve quem falta. A parte que me cabe reconhece a lacuna, não se enganaria à essa distância e garante que as marcas são vestígios muito pessoais e inconfundíveis: é ela que falta dentre tudo mais que não está neste instar, nos que virão com o peso de um agora arranhado, quebradiço.
Enquanto olho o porta-retratos repleto das fotos que imagino, um dia novo espreita a janela com laivos de azul claro. Largo tudo, vou à janela pegar os primeiros raios que vão na beirada da tua cama, subindo as horas até o rosto com as marcas do desgosto que a noite obrou. Minha velha aquarela pinta desejos estranhos que ressecam durante o sonho.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

em clima de boa música

muita gente não tem saco pra curtir os trabalhos mais antigos do King Crimson, mesmo coisas mais recentes, porque, sejamos sinceros, não é nada que se está acostumado, principalmente aqui no Brasil. É uma musicalidade "torta", não é confortável, não dá pra se espelhar o tempo todo, quer dizer, é uma experiência que exige deslocamento e abertura.

o Discipline é um disco mais redondo, acho eu, de mais fácil digestão. E você pensa que eu acho isso um defeito? Que nada, talvez seja o ponto mais alto d banda como exercendo uma perfeita comunicação com a linguagem popular e sem perder um só dos traços que a caracterizam como grande banda que é. Matte Kudasai ("espere por mim") é muito bonita, puta que pariu.

Robert Fripp é um cara genial.