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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

M e d í o c r e

     Ninguém ensina a outro que a vida é o lugar dos prazeres. É preciso que se descubra isso no palco. Sob a égide do tempo, submissos à sua vontade, seres mortais que somos, nosso gesto ganha um valor alto. Que tem cada ser humano, senão, em média, setenta anos para fazer alguma coisa? Sim, o verbo é este, fazer, construir, a característica natural que se tornou base para a expressão do pensamento religioso, a inclinação de tudo aquilo que é vivo para construir o mundo ao seu redor, desde plantas e esquilos até gente.
     O que me parece ter acontecido foi, de fato, uma interrupção no processo natural das coisas, por parte do dito "progresso", e a assimilação de um status mental que faz do homem o único ser capaz de ser iludido por si mesmo, definhar por conta de autosugestão e se perder nos labirintos da própria fantasia. Quando Jodorowsky diz, "we must break the ilusion", ele não fala apenas de que aquilo é um filme e deve ser visto assim, ele enuncia uma lição que vale para todos os momentos de sua vida social.
     Economia, política, arte, é tudo criação de sistema, cuja qualidade está baseada na eleição parcial de características deste, orientada por uma convenção de especialistas, e que se torna tradição escrita, código. Isso significa que a brincadeira tem começo, recomeços, meios e fins, podendo ser interrompida para reorganização. Não existe lógica na máxima, "a vida é assim", ou em, "É assim que as coisas são, é como sempre foram". São sentenças cheias de covardia e comodismo. É a derrota do mamífero, empoleirado como uma galinha velha, aceitando a morte da maneira menos prazeirosa possível. Um absurdo.

     E onde se expressa tal aceitação do medíocre, onde é que se vê tamanho comodismo em relação ao que é pífio, senão nas artes? O maldito conseguiu: o poeta foi expulso da República, e em seu lugar ficaram os bobos das cortes, fazendo jornalismo humorístico, teatro do imbecil, cinema de babaca e musiquinha vagabunda. Toda comunicação fica nivelada por baixo. A intenção comunicativa é dominada pela orientação financeira, com seus vários braços que a publicidade funda pra disseminar. O culto à personalidade ganha vulto na coisificação de uma pessoa e sua associação imediata a produtos, ao consumo como forma de se relacionar com os outros e o objeto de desejo, sempre inatingível, claro. E o pior, tal construção gera de fato a ilusão e, esta, traz a felicidade momentânea. O estímulo. O prazer intenso que se obtém somente neste sistema... e que passa... e volta, com tudo. 

     Atuação. Os filmes são fracos, em grande maioria. Quem já viu Marlon Brando, Peter Sellers, Gunnar Björnstrand, Paulo Aultran, Bruno Ganz, por exemplo, e pensa as características da atuação desses caras, sabe que esses atores de Hollywood, de Brad Pitt a Jackie Chan, estão aquém, além apenas no tempo, talvez, por isso, tão "culpados". O tempo nada lhes deu, apenas fez de suas vidas um mar de rosas. Quem viu atuar Liv Ullman não pode se satisfazer com Jennifer Aninston, Angelina Jolie, e essas atrizes meia-boca do cinema internacional, pra não falar das porcarias tupiniquins. Uma das maiores injustiças brasileiras é se enaltecer Fernanda Montenegro ao ponto de dizer que Central do Brasil merecia o Oscar, o que é inconcebível, e mais, que está em patamar acima de Marília Pêra, sendo esta, sim, muito melhor atriz, capaz de transformações físicas e psicológicas muito mais marcantes que a mãe da Fernanda Torres, pelamor de deus.
     Confunde-se atuação com intensidade. Quem disse que atuar é fazer cara feia e levantar a voz? Quem disse que atuar bem é reunir tudo que é característico em si e interpretar um papel leviano, sem desafios? O que torna, sinceramente, digno do rótulo de ator um cara como Cauã Reymond, ou algo assim, o quê? Que faz ele além de gritar, fazer pose, tentar ser natural diante da câmera e interpretar tipinhos que qualquer idiota com internet discada na cabeça faria? O drogado que se contorce na cama. O drogado que deixa os olhos cheio d'água e pega o pai pelo colarinho, fala entredentes, quase cuspindo, o rosto vermelho, sai batendo a porta. "Ah, que cena incrível. Como se sente agora que ganhou o prêmio de destaque da novela?". Quantas vezes você fez isso com seu irmão, percebendo o que estava fazendo, mas ainda assim mantendo a fúria, a pose, o gesto? Não poderia repetí-lo? Acha mesmo, você, que está em casa vendo esta grande porcaria, que com um trabalho de poucos meses não faria o mesmo?
     O problema é justamente esse. Tentamos ignorar o fato de que o que se faz não é nada especial. Luan Santana? Fiuk? Por favor, né, saiam de casa, vão a shows em lugares populares e vejam bandas excelentes, com a sonoridade incrível. E não estou falando de bandas indigestas, não, estou falando de pop mesmo. Só que as pessoas conseguem mobilizar fãs, os fãs criam redes sociais, ao vivo e online, e isso se torna o grande estímulo para que a pop art de merda que é feita hoje seja autosuficiente. Basta adicionar o material humano, as redes sociais, os dispositivos, já estão criados e funcionam vinte quatro horas. 

     É preciso desconectar, reprogramar e reconectar os dispositivos. Só assim vai haver mudança. A saga pelo cérebro robô, tão americana, é o objetivo do revolucionário. Quem quer mudar não quer explodir, não quer destruir ou tumultuar, precisa achar um jeito, obter os cartões e as senhas, os códigos, atravessar as portas, seguir pelos corredores no grande labirinto que conduz ao cérebro. Lá  reprogramar o computador para que a sociedade se oriente por novas diretrizes, por um jogo mais honesto, transparente. A dependência messiânica deve dar lugar ao planejamento calculado, à organização, ao diálogo e à reflexão sobre como estão construindo aquilo que se chama de real, que está no cotidiano, e que engolimos sob o nome de grande arte.