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domingo, 24 de maio de 2009

um amigo da turma do Capuleto

- ... e que coisa, não, que coisa é esta que tu guardas com tanto empenho?

- É ferida, não tentes uma rosa desalmada, porque só te esperam espinhos e um destino afortunado pelas sombras e o orvalho, teu companheiro de jornada, porque te vestirás em pesado metal e terás no teu rosto a tempestade de muitos dias de melancolia.

- E que pensas que faz afastando-me ao destino? Se sou homem trágico, que se cumpra a vontade dos deuses, que eu me afogue no desespero dos teus abraços até que não me pertença mais alma, e então eu possa ser enterrado como aquele que cumpriu seu papel. Não dispenso as formalidades e quero até a última lágrima do teu sofrimento.

- Não sou palco de tragédias...

- A não ser a tua mesmo.

- Um ato solo, e deve-me respeito, ou então, o que? Meu texto não tem folego para dois. Minha perspectiva é toda interna. É meu coração que sopra as falas ao ouvido, que mexe debilmente estes membros. É ele mesmo agora que te diz, vai-te, poupa-te dos meus tormentos. Não cabe aqui ninguém além de mim, sou do tamanho do meu coração e nenhum ficou para contar estória. Nem mesmo eco.

- É o desprezo a tua moeda, é com ele que recebes os teus convidados?

- A única verdade que posso ofecerer. Como chama moeda? É presente que ofertei apenas a meu pai. Por certo, morto, não se recorda da felicidade que teve ao saber que não lhe tinha ódio, que não negar-lhe-ia ajuda na velhice, ficou contente com o silêncio e muita vez venho a crer que seu desespero, no leito de morte, resumiu-se ao apego que a qualquer cão deixa a vida. Provavelmente precisou de imagem minha para ter aquele punhado de lágrimas.

- Que seja, não te desejo mais. Quero apenas ser teu amigo.

- Nem isso posso oferecer.

- E por que não!?

- Porque já me sabes desprezível. Não vivenciastes isso, nem sequer viu como a vida prepara o palco para o espetáculo, nem mesmo sabe como improviso minhas falas. Não serias meu verdadeiro amigo. Entende? Sabes de mim pela minha boca e não deves confiar nela. Nada que saiu daí em todos estes anos esteve no mundo mais do que uns dias, talvez meses, quem sabe algo tenha expirado em um ano, mas não mais do que isso. Eu mesma não.

- Lua, que por bela escultura demônios como faz aos anjos, por que me destinas este tormento sem tamanho, que é enamorar-me de alguém que só me despreza?

- Os astros não te responderão o que é matéria de humanidades. Deixa a lua que por bem só avulta. Não te faz de bobo, anda, levanta-te e segue para tua casa. Há em toda parte uma senhorita bela e com dotes vários que te podem preencher a causa. Não derrames lágrimas que não valem o sofrimento. És uma criança, por acaso, que te recusas a aceitar o inevitável? Não terei filhos por conta disso. Anda, vai-te.

- Sem alma! Vil! Ainda me pagas...

E enquanto se afastava, pensou que ela não perdia por esperar. O destino se faria cumprir, cedo ou tarde.

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