Sérgio
Cabral deixou o Palácio da Guanabara ainda cedo, sonolento que só, logo depois
de se despedir do Chefe de Gabinete. "Olha, fica de olho no e-mail e me
avisa se tiver qualquer notícia da empreiteira. Qualquer coisa, hein. Fica com
Deus". E desceu os degraus em direção ao carro preto, blindado, emplacado regularmente
pra evitar perseguições. O motorista era um homem treinado em três artes
marciais diferentes, além de direção defensiva e tiro com armas de pequeno e
grande porte. Tudo estava ali, o Chrysler à prova de balas, o governador a
caminho de uma reunião e o motorista, que naquele dia se chamava Marcelo
Nogueira.
Uma
vez no interior do veículo, Sérgio não percebeu que aquele Marcelo era outro
Marcelo, com as mesmas qualidades e treinamento, só que cinco centímetros mais
baixo, com o nariz um pouco menor e a capacidade inata de se misturar sem se
fazer notar. O segurança pessoal veio em seguida, abriu a porta da frente e
sentou ao lado de Marcelo, o substituto. Um outro entrou atrás, sentou ao lado
do Governador e começou a mandar mensagens de texto. Pronto, agora o nosso
Marcelo tinha todo mundo onde queria. Quando chegaram em Botafogo, vendo que o
motorista não tomaria iniciativa, o segurança pediu para ligar o rádio.
- A entrevista do Governador vai
pro ar na CBN. Quer ouvir, Governador?
É
claro que ele queria e claro que Marcelo sentiu muita satisfação em permitir. O
botão do rádio não ligou o aparelho, como o seqüestrador pensava, mas afundou
ao toque, o que fez com que o cão de guarda sentisse uma beliscada no dedo.
Quase ao mesmo tempo, quando viu que o pino de sua janela não descia pra travar
a porta, o outro sentiu a mesma picada no dedo.
- Que porra é essa?
Sérgio
olhou pelo retrovisor. Não era Marcelo. Ambos os seguranças estavam encostados
nos bancos, calados, suando frio, perdendo aos poucos o controle do próprio
corpo. O Governador afrouxou o nó da gravata.
- O que é que você quer?
- Ah, Governador, muita coisa.
Não vamos falar sobre isso agora. Quando chegarmos no lugar certo, as nossas
negociações vão começar. Enquanto isso, aproveita o passeio e a música...
Marcelo
apenas por um dia tirou o adesivo preto, revelando o botão comprimido, bem ao
lado da armadilha que havia preparado com a agulha. Apertou-o uma vez, fazendo
a música soar nos ouvidos do apavorado homem público, um hino que o motorista
cantava junto.
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