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domingo, 12 de setembro de 2010

O sacrifício de Aquiles

    
     Aula de Fundamentos filosóficos da educação. Meu imaginário aguçado pelas exposições, pela leitura já prévia de ensaios sobre Benjamin e Agamben; o caldeirão fervilhando de ideias, em suma.
Fala-me o professor, então, sobre as meninas lobo da India, que foram encontradas por ingleses e retiradas de seu habitat, para uma tentativa de adaptação entre os civilizados. As meninas morreram, no entanto, pouco tempo depois. Posteriormente, li que se trata de uma farsa. Amala e Kamala seriam duas meninas doentes, com deficiência mental, abandonadas pela família, como aconteceu com outras da mesma cultura.
     O que importa é que, naquele momento, a ideia de reumanização me faiscava as ideias. Lembrei-me de Tróia e pensei em Briseida, imediatamente. E por que? As ideias de sagrado, abandono, reumanização, tudo se entrelaçava.
     A mulher é sacerdotisa de Apolo, entregue ao deus como sua prometida. Desta forma, a fêmea é sacrificada na esfera do humano, para estar apta a penetrar o patamar divino onde habita o deus sol. A vida de pitonisa resumir-se-ia a uma devoção intensa, ao transe e às profecias oraculares. Sua feminilidade permaneceria intacta.
     Eis que surge Aquiles, a quem o deus não se impõe. Junto com Agamemnon e seus homens, massacra a família de Briseida e a toma como escrava. A despeito da confusão entre este e aquele, o que me veio como um raio foi a carga ideologica em jogo: o homem, um guerreiro, invade os domínios sagrados de um deus, destrói seus adoradores e toma suas mulheres. A ordem é transgredida e, segundo os preceitos da tragédia, assinalados por Agamben e comentados por Pedro Hussak, alguém terá de pagar o pato.
     A morte do herói trágico instaura uma nova ordem, em detrimento da antiga, que cai diante do sacrifício. Briseida é reumanizada, trazida da esfera do sagrado, onde vivia separada, para a do "comércio dos homens". Sim, porque tornou-se escrava sexual, um prêmio de guerra, cuja beleza coroa o gesto. Mais do que uma simples conquista, um romance, mais do que o envolvimento entre homem e mulher, o que salta aos olhos é a vitória do homem, inquieto, incorrigível, sobre os grilhões arcaicos de uma ordem instaurada.
     A grandeza de Homero é arrebatadora, seus ramos ainda dão frutos muito saborosos, por isso sua influência no ocidente é inestimável. Aos trancos e barrancos, vou vivendo de palpitações que a arte me provoca, todos os dias, no seu deitar magnânimo sobre a forma das coisas.

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