Pesquisar este blog

domingo, 17 de janeiro de 2010

A menina da rodoviária

Ela estava pelos cantos, naquele dia. Seus olhos pequenos de enxergar pra dentro estavam maiores, como se em permanente estado de assombro. Sigo a mocinha com os olhos por um longo tempo, observante daquela morenice tênue a cavalgar os próprios passos em espaços compactos, onde teias de aranha se acumulam por descuido e imprecisão. Creio que seja a última vez que vejo Madu brincar de mim.

Pedi que juntasse as coisas. Nuvens imperiosas projetavam terríveis sombras nas janelas, vento forte uivava em seu caminho pelas tubulações irrequietas e, ainda assim, aquele tropeço se ouviu em todos os cantos que habito de alguma forma e que agora um alarme vem estremecer. Enfio as unhas na carne enquanto sozinha se ajeita, olha pra trás com a umidade colorida das órbitas, as mãos tirando não-sei-o-quê dos joelhos avermelhados. Segue.

- Mas é ainda muito nova... - um pensamento inocente inicia o descontrole.

Não choveu, mas caso acontecesse, Madu procuraria as marquises. Evita grupos, algumas pessoas querem tirar fotos da pequena, do seu vestido simples e de como tem coordenação e equilíbrio ainda tão! - segue. Continua até a rodoviária e procura um banco pra descansar. A baiana ao lado não resiste e puxa papo.

- Tá indo pra onde, meu amor?
- Pra lugar nenhum.
- Cadê tua mãe?
- Não tenho mãe.
- E teu pai, menina?
- Não teve escolha. Não tem importância, sabe? Certas coisas simplesmente ficam, ainda mais quando vão...
- Acho que essas coisas, nesses momentos de partida, entram debaixo do couro da gente.
- Tava tatuada perto do espírito. Deve doer rancar.
- Num sei, pra ser bem sincera nunca saí daqui. Trabalho naquela loja de 1,99 e de noite atendo na lanchonete. Durmo no banheiro ou então com algum. Comé teu nome?
- Ele me chamava de Maria Eduarda, Maduca, Madu, Mada, Maduda, Duda, Dadu, Dumaria, Marida, Maridu, Dada, Duminha, Madinha, dependendo do humor.
- E agora?
- Agora, não sei. Maria qualquer coisa.

2 comentários:

Termina com Ela disse...

Não sei o que dói mais. Acho que é a mudança do título.

Guilherme Ferreira disse...

muito bom, cara.