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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um piolho!

     É assim que Rodya, não o de Dostoiévski, mas o de Julian Jarrold, chama a agiota que assassina com um machado. Lizaveta também cai, por testemunhar o fato.
     Comecei a pensar que Raskolnikov havia enunciado algo com aquelas palavras: "não matei uma criança, mas um piolho".

Que é o homem natural?

     Não me parece que haja um rótulo apropriado, além, claro, o de animal. É no ser social que se concentram os rótulos, na atuação que promovem dentro do círculo vasto de relacionamentos, suas decisões, seus gestos mais simples e também os mais complexos é que definem quem é este homem. Ou seja, nossas escolhas nos colocam na companhia de fantasmas (abstrações) que nos identificarão neste jogo coletivo. 
     Os fantasmas de Raskolnikov eram pesados demais para sua própria intelectualidade. Quis obter poder com a transgressão, desafiou as leis naturais, simplesmente pelo prazer de fazê-lo, já que, como sabemos, não possui nenhuma necessidade para cometer tal crime. Não são as dívidas, nem mesmo a condição precária em que vivia, mas a chance de se tornar um homem para além dos demais que o seduz. Além disso, não creio que seja como li em um artigo ("O PESADELO DE RASKOLNIKOV", na Usina de Letras), em que se afirma que o assassínio da usurária é fruto do delírio de Rodya. Atribuir o crime a um delírio é dissolver completamente a obra de Dostoiévski, tornar a personagem tão forte em alguma coisa débil e transitória.
     A força de Crime e Castigo está no fato de que Rodion Raskolnikov não tem motivo algum para cometer o crime, no entanto, ele o faz porque pensa ser um homem maior do que os homens que vivem sob regras tão simplórias. Acontece que Porfiri mostra a ele que os homens brilhantes não são apenas aqueles que transgridem. Ao contrário, estes estão sob a vigília de autoridades nem sempre tão tacanhas quanto como se costuma pensar. 

     "Taking a new step, uttering a new word, is what people fear most"

     É preciso ter consciência de que cada gesto abdicado é parte de um projeto civilizador, constante, de dentro para fora, exemplar, e não mais deixar que o próximo viva a mentira nociva da ilusão. Deus não voltará para julgar ninguém, nem profeta algum falará em nome de qualquer coisa que não seu próprio espírito, e cada palavra será um filho, para se cuidar com a responsabilidade de quem respeita o princípio. Então, neste dia

compreenderá o homem que Deus não é pai
é filho
cuida da tua criança
     

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