Pesquisar este blog

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Minuto Mudo

... se arrasto feito bicho por mais tempo, não me lembrarei mais tarde como é sorrir. Um meio apoio, alguns ossos estalam feito junta de porta, aquelas de madeira que já não se faz mais. Minha garganta seca é morada da demora, por isso tenho pensamentos leves e longos períodos de mansidão, porque sou quase nada neste corpo degradado que inanima meus dias a cada quarteirão que passa.


     Minha barba é meu porto, meu lugar de repouso, onde meus dedos procuram carinho de pêlos, todos prosa, enquanto acontece poesia concreta em todo lugar. Conheço gente que já comeu pedra, mas isso ainda não fiz. Se fumo um cigarro, se tenho preocupações, se birito algo no caminho é minha barba que me lembrará, assim como das lágrimas salgadas que eventualmente se chora, mesmo quem parece duro que nem rocha, encardido, louco, prestes a vomitar diferenças que são monstros pra consciência de muito bicho besta.


     Tenho medo do futuro. O escuro é ruim até no pensamento. Quando vejo, estou cercado pelo que não percebo, já que voo acima das ilusões que a vida tem me aprontado. Não é melhor que fazer parte do cortejo, não, dá mais angústia, é um céu sem estrelas, sem Ícaro, nem montanha onde Gabriel seja farol para aquele que vem do desespero, não, nada, é uma massa preta onde você bóia e espera pela praia, se tiver sorte e não for devorado por tubarões enquanto seu corpo treme feito o diabo.
     Acordo, tomo um pingado, como sanduíche de mortadela com queijo, que é barato, não dói no bolso e me mantém esperto até o prato. Talvez só tenha ele, talvez seja apenas o começo de um dia servidão pra minha desgraça, que aliviada parece até que tem jeito. Vou começar a pensar em ser alguma coisa, tenho energia, basta que ponham dois ovos, couve, feijão, arroz e um pedaço de linguíça, que ninguém é bobo, não.


     Tenho três filhos, mas não sei cadê nenhum. Foram todos com a mãe tentar a vida em Macaé, onde um primo é segurança de empresa. Vai costurar pra fora, limpar casa de madame e fazer pé e mão, os moleques vão pra escola, talvez façam esportes, judô, jiujitsu, natação, talvez joguem bola, talvez fiquem ricos. Enquanto crescem, penso-lhes histórias, desenho vidas que não vejo, sei que cada minuto ali não é fácil, que os pequenos sentem saudade e que todo dia perdem um pedaço do que deveriam cultivar, mas não sirvo pra acompanhar a mãe, claro é, claro está.


     A verdade é que tenho pouco tempo até a partida, porque meus sonhos precisam de mais anos ainda, muitos mais além destes que me oferece a vida, da qual acabo comprando umas dezenas, e deixando o resto pro diabo beber no bar, por minha conta, enquanto faço das minhas. Se eu fosse Deus ia poder tanto que não saberia, é melhor então ficar satisfeito com alguma sabedoria, apenas a necessária pra juntar caminhos e ter mais certezas. Olho o horizonte e vejo uma massa preta que vem voar ao meu redor, mas em tempo estes olhos saberão o que já lhes sussurra a alma: "não são eles que voam ao teu redor, é tu que dança vendado os caminhos da vida".

Um comentário:

Batom e poesias disse...

Disfarça seus escritos em forma de prosa, mas é pura poesia.

Da melhor qualidade!

Muito prazer.
Rossana