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domingo, 9 de maio de 2010

A Caravana

Com a chuva, vejo agora, chega também a caravana. Ainda no horizonte, sob fina cobertura, que se tem deste fenômeno? Apenas uma sugestão de pó que a fúria de sua aproximação causa ao redor, tremores de perna, a certeza de que o agora tem o peso de antes e de todas as eternidades. São as memórias, cavalgando em bando a pluvialidade de uma tarde senil, coberta de sono e mansidão, em que toda esperança se exige caída do céu ou então, dane-se, que assim seja, mas que não arda, que não doa, que apenas toque a face como o vento que escapa pela fresta na cortina ajanelada e diz, "é tarde", somente a mensagem e depois o completo abandono. O ar enfarado, o tempo parado, o espaço mexendo sob os pés pro alto, o estômago roendo os limites, a soda cáustica dos pensamentos banhando os campos onde antes cresciam torres e flores belíssimas. Em meio às ruínas do templo, onde queima ainda a chama, não recende mais a marapuama em brasa, nem a luz insiste em penetrar as salas onde se comemoravam aniversários inventados, santos recém-descobertos, brilhos, nada mais, tudo é mergulhado na incerteza e permanece quieto.



A caravana está. Acomodam-se entre colunas perdidas, procuram pedaços de teto, acendem fogueiras usando a chama original, mas sentindo o calor que se perde no sereno do ocaso, esfregam os próprios corpos, os braços, as pernas, procuram alívio no gesto solitário de quem tem por companhia um tecido salpicado de estrelas fracas, uma lua filete, "olho de gato", e a sensação nítida de que aquele mesmo dia virá mais vezes. Somos objetos inanimados que recebem calor e projetam sombras onde dá o clarão. Minhas unhas cresceram pra encontrar os cabelos, meu corpo coberto de prioridades tem o escuro do desejo alheio, minha saliva é seca e envenena as águas potáveis; por isso me abraço ao homem pretérito, aos pequenos laivos de uma verdade que, vencida, atirada ao fogo para que esta noite não seja a derradeira, dança em sincronia com a terra e exige dos seus uma parte das conquistas obtidas em batalha. Não, não de uma vez só, um pouco todo mês do que é dado. "A liquidez do bruto é meu salário".

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