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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Poesia de Goa - R.V. Pandit

Raghunath Vishnu Pandit é poeta nascido em Goa, cidade do litoral oeste indiano, que teve uma considerável produção em língua portuguesa após o processo de libertação da região. Sua poesia tem os signos e os símbolos da liberdade, alicerçados na moral que recebeu como educação e como fruto de uma cidadania inquieta. Pandit, em sua lírica, manifesta dois lados de uma mesma unidade: o revolucionário e o conservador.



Faz revolução, quando erige poemas como "A Chuva", de 1962, em que expressa objetivamente os infortúnios de estar sob o julgo de "demônios" executores de dívidas seculares, coletores da riqueza alheia, semeadores da tristeza e desgraça. Imbuído deste sentimento, o eu-lírico convida a chuva para com ele chorar seus lamentos, numa belíssima imagem de desfecho. Este mesmo solo fértil é que vai dar nutrientes para fazer florir poemas tardios, como "Cada gota do teu sangue", de 1968, em que os ideais de liberdade são exortados com palavras de amor e coragem. Mais do que viver, é preciso navegar.
Pandit não se restringe à liberdade diante das amarras institucionais, mas vai até as prisões culturais mais tradicionais. O poema de 1963, intitulado "Casa, Minha Casa!", versa a respeito do homem que se deslumbra por sua gaiola. Diferente do papagaio, que ao encontrar a porta aberta voa para a liberdade sem pensar na vida encarcerado, o homem que Pandit retrata está irremediavelmente enfeitiçado por seu cativeiro. Maya.

Mas, o homem...
Desde que nasceu
Até a morte,
Gira somente
Dentro das quatro paredes
Da sua gaiola
Palrando
“Casa... minha casa...”
 

 
Liberdade Alada em Bangalore

O elemento alado é um símbolo recorrente na poesia de R.V. Pandit. Em "O Inverno", poema datado de 1969, Pandit deifica a estação e a transforma numa figura voadora, que cruza o céu na faísca, semeando o sustento para o homem do campo. Novamente, as chuvas. Em seus versos, no entanto, este sustento nunca se mostra como uma variedade de produtos da terra, ao contrário, o lirismo do poeta goense expressa a humildade na colheita e no consumo. Os signos nos remetem ao arroz e à palha, ao básico. Em "Um Desastre", de 1969, sua postura contra os exageros da fartura se expressam na construção de uma personagem gorda e inútil, que ao morrer revela o desperdício na evocação de tudo que poderia ter sido feito a tantos, mas que se perdeu naquela unidade autocentrada. Ao fim, proclama, consciente da ligação que tem com a alteridade.

"Morreu um homem, sim?
Realmente?
Pois é um grande desastre
Morreu um homem?
Pois parece-me
Ele deve ser eu mesmo!"
 
Esta poesia, que canta a liberdade, que faz alarde sobre a exploração e também enaltece a simplicidade do trabalhador, coloca-se ferozmente contra os grilhões da riqueza e da dependencia, mais precisamente, do álcool. Em "À espera de Rama", de 1967, o poeta faz a correspondência entre a perda do valor moral devido ao desejo de enriquecimento nas minas de Goa, como a mesma decadência que vitimou Ahiliá a se tornar uma estátua de pedra. A mulher, que cedera aos caprichos de Indra, foi amaldiçoada por seu marido, um santo, a permanecer neste estado até que Rama viesse a seu encontro e, com sua presença redentora, a salvasse.   

Homens, que anos atrás,
Eram de oiro
Hoje estão feitos pedras
Como a Ahiliá
À espera de Rama!


Em "A Virtude Peregrina", de 1963, "Mar de Embriaguez", de 65,  e "Vinho", poema de 1968, Pandit declara uma recorrente visão a respeito da bebida. No primeiro, ainda no início da década de 60, a personagem é a Virtude e esta se perde do caminho a Deus por se fiar na companhia do Vício, interessado somente nos deleites do corpo. No poema seguinte, a perda da humanidade é o resultado obtido pela incursão nas garrafas. No terceiro poema, delata a cultura de oferecer bebida a crianças que ainda nem tem o sizo. O juízo, portanto, torna-se alcoólico e, feito um dente impassível, volta-se contra o indivíduo e o devora. 

Esses dentes
São de sizo alcoólico
Que trituram
A eles próprios... 

 
A poesia de Pandit tem raízes profundas na cultura oriental do equilíbrio, da simplicidade e do desapego. A vida como passagem é festejada em sua exultante brevidade, mediante valores que pintam um homem sem clausuras, sem tormento e medo.

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