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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Uma sina cabralina


O poema "Catar Feijão" de João Cabral de Melo Neto é uma daquelas obras que fascinam pela sua estrutura e significado.



"Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um, risco
o de que entre os grão pesados entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco."


A característica que salta aos olhos, depois de uma primeira lida, é a de metapoema, ou seja, a poesia que fala do processo de construção poética. João Cabral faz a relação entre a escolha das palavras no léxico e um hábito comum a muitos brasileiros mais velhos, o de catar feijão. É desse ato de cuidado com o alimento que resulta o suor, a tal da água "do papel", e esse jogar fora dos grãos leves e ocos, representando na poesia aquele cuidado que o artífice tem com sua criatura, que não deve ser "eco", mas algo original, na medida em que pode sê-lo. Poiesis.


Ao contrário da pedra que vem do gesto mal feito, a que vem nas palavras promove a quebra da regularidade, da familiaridade, do conforto a que estão todos acostumados, principalmente no consumo da cultura pop, por meio da inserção de elementos que causam estranheza. É o grão mais "vivo", o que faz do percurso uma experiência sinuosa. A beleza deste pedaço de trabalho louvável do mestre Cabral é que nela existe a beleza do povo brasileiro, do trabalho do poeta e a lição do homem que deixa aos demais poetas um grão de ouro.


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