Falemos de prazer, shall we? Os
gregos, da época que o guaraná ainda era coisa que só se tomava no pé com a
onça pintada, diziam que o prazer não é um resultado certo, o fim de um
processo retomável a qualquer momento. É preciso ter condições específicas para
que o prazer aconteça, ou seja, meu amigo de fé, meu irmão camarada, você não o
ganha, você o conquista. É o que pensavam Empédocles e Demócrito, dois
pensadores pré-socráticos, atomistas, que acreditavam na materialidade das
coisas, inclusive da alma. E quais são as condições necessárias para que o
prazer aconteça no corpo do homem sedento por tê-lo? Heráclito, "o obscuro",
era fã das festas. Segundo o livro de Santoro, "Arqueologia dos
prazeres", este outro célebre filósofo achava indispensável que o prazer
fosse obtido dos momentos especiais, bastante específicos, ao contrário dos que
estão sempre procurando por ele no cotidiano.
O corpo tem uma medida, como um
copo. Diferente do que acontece neste objeto inanimado, no entanto, os níveis de
uma série de substâncias no corpo geram sensações, expressões de um
reequilíbrio, no caso do prazer, ou de desequilíbrio, quando dor. A dor pode
ser de carência ou de excesso. É mister, então, que pra se ter prazer a gente
supra nossas carências. Só que se formos além disso, se deixarmos que uma
mentalidade desregrada faça com que o corpo consuma mais do que precisa, este
excesso será cobrado no futuro, porque a carência gerada será ainda maior do
que aquela que acontece em condições equilibradas de consumação. O queridíssimo
Rolando Boldrin, que aquece as manhãs do público brasileiro na Tv Cultura, com
muita moda de viola, anedota e piada, além das delícias da vida do homem
simples, disse no programa de hoje: "essa aqui é a cachacinha, nossa
bebida de origem, e que deve ser valorizada. Mas não deve exagerar, porque
senão fica doente". Isso é sabedoria helênica, sabedoria indígena,
sabedoria de uma série de grupos que conseguiram descobrir os benefícios do
equilíbrio, minha gente.
Isso nos remete à triste situação
do crack no Brasil, que vem acometendo uma galera gigantesca. Se você anda
pelas ruas dos principais centros, nas principais capitais, vai ver os
"zumbis" se arrastando pelas ruelas, com suas latinhas ou copos de
guaravita, isqueiros e o olhar fugitivo, de quem já não tem mais nada a
oferecer às pessoas ao redor. A esmola de cada dia faz surgir um novo contexto
nas urbes tupiniquins: o mecenato do crack. Mais do que sinistro, rapazinhos,
isso aqui é um crime grotesco contra a vida. E sabe o que o Governo brasileiro
faz com isso? Aumenta o salário dos políticos, aumenta a passagem do transporte
público, aumenta o preço da comida, não controla a ganância dos empresários
privados, que cobram horrores por entretenimento barato, e faz festa. É, faz
festa. Eles colocam alguém num carro de som, cantando e dançando, pra dizer, de
vez em quando, "fora crack". É incrível, né?
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