Queria dizer que
o amarelo vivo da tua bandeira
é um ouro maciço
brilhando o caminho no escuro
mas é somente o
medo tingindo a pele do povo
que adora sair em
bloco pra comemorar carnaval
o azul se
refletisse a paz de espírito dos cidadãos
seria a mais bela
cor da flâmula hasteada no peito
mas é a expressão
duma tristeza crônica profunda
enraizada nos
gestos cansados das muitas estrelas
assim como o
verde não tem nada com esperança
mas com o valor
que a terra tem para os negócios
corre para as
veias abertas deste grande território
a tinta cor de
sangue que nos deixa mais próximos
o arco-íris
tupiniquim se faz dos gritos no espírito
da gente
emudecida & incolor.
- Pra dar bandeira
O problema da Copa não é o evento em
si, mas a maneira com que é planejado e executado. Logo, o problema não,
tampouco, a seleção brasileira. É um pouco ingênuo pensar que as pessoas que
estão protestando contra o evento são pessoas que não gostam do esporte ou,
pior ainda, que não gostam de festa e do país. Quem dera este fosse o problema,
uma questão de gosto. Não. O problema da Copa é um problema de direitos humanos
sendo violados, como sempre foram, em nome de uma elite financeira sedenta por
lucro. E como isso pode ser notado?
Como disse Vickery, jornalista da ESPN, uma das grandes frustrações do
povo foi perceber que nenhum dos mais de 13 bilhões investidos na Copa do Mundo
se transformaria em infraestrutura, mas exclusivamente serviria para erguer estádios
e pequenas reformas estéticas para a cidade. A manutenção do patrimônio público
está tão jogada às traças, que esta semana, no dia 3 de julho, um viaduto caiu
na cidade de Belo Horizonte e fez, pelo menos, duas vítimas e dezenove feridos
(fonte — notícia do UOL). Por que gastar dinheiro contratando engenheiros para
fazer vistorias, quando você pode simplesmente ignorar esse tipo de coisa e dar
uma grande festa? Principalmente, se esta festa vai movimentar rios de dinheiro
(como a venda ilegal de ingressos, onde se descobriu o envolvimento do líder da
quadrilha com funcionário da FIFA — notícia do Estadão).
No Brasil, faz muito tempo se fala de mudar as leis do trabalho e
melhorar as condições de emprego, mais que na falta dele. A FIFA vem e se fala
em geração de 713 mil postos de trabalho, entre temporários e fixos. Que
trabalhos são esses? A estimativa vai se cumprir? Quantos dos que se imagina
serem postos de trabalho fixo se tornarão temporários? Se se fala em elefantes
brancos para os estádios, não se está falando também dele em relação à mão de obra
nele e no seu entorno? Como será em Manaus? Que iniciativa privada fará uso do
estádio, de modo que ele se mantenha por doze meses do ano? O Global Post relata que haverá uma
manutenção anual que custará 10% do preço total investido. Isso quer dizer que
o custo total de um estádio vai dobrar em 10 anos. Quem vai sentar nesta
jaca?
Podemos ficar por aqui durante
páginas falando sobre as desapropriações de moradores de áreas que são
interessantes para o mercado imobiliário, ignorando completamente as leis e o
Ministério Público, mas não precisa tanto. Desde a Roma antiga que se pratica a
desapropriação em casos que se julga para o benefício público. Quem são os
beneficiados com estes movimentos, senão os estrangeiros que estão comprando
propriedades, os brasileiros que as estão vendendo e o estado, que recebe sua
parte em impostos? O que as pessoas que estão sendo removidas de lugares que
ocupam há décadas estão ganhando com isso? Suas vidas, de repente, tem que
mudar totalmente de lugar. Emprego, rotina, compromissos, família, referências
cotidianas, tudo tem que mudar drasticamente, a fim de saciar a vontade
inesgotável dos afortunados. Eles são contribuintes. Que tipo de retorno é
este? Que pátria é esta, que age como um padrasto insensível e negligente? Um
exemplo deste fato ocorreu em Maringá, no Paraná, como publicou o site
odiario.com, quando o MP apontou irregularidades na desapropriação de terrenos
particulares. A ONU chegou a fazer uma crítica às desapropriações, como
publicou o jornal O Globo, bem como a BBC, que fez uma matéria sobre as
indenizações que ainda não foram pagas aos desapropriados em Pernambuco.
Prostituição infantil, tráfico de
mulheres, inflação, carência de serviços públicos, carência de qualidade e falta
controle de preços nos serviços privados, carência de uma indústria nacional, o
que mantém o país como provedor de matéria-prima, sob a justificativa idiota de
que não existe mão-de-obra especializada (se você não investe educação, não
pode haver, mesmo). Estes e mais alguns outros aspectos não parecem ser
suficientes para conter a necessidade de diversão de locais e turistas. Todas
as desculpas do mundo surgem para justificar a festa, desde o clássico “jogo é
jogo, política é política”, até o mais novo argumento na praça, o de que “a
Copa é uma oportunidade de crescimento para o país”, coisa que não se percebeu
em qualquer outro lugar que a FIFA passou com sua caravana. Claro que não se
quer dizer que a competição inventou todos estes problemas no Brasil, porque
isso seria de uma idiotice atroz. Mas pense comigo, se você descobre que existe
um buraco, vai deixar seu filho correr para dentro dele? Não. Se fizerem uma
festa ao redor do buraco, a fim de ganhar dinheiro com a excitação de estar na
borda, com a escuridão, com o entretenimento no buraco, você vai mudar de
ideia? É o buraco, ele está lá, antes de festa, que tal taparmos e deixarmos
tudo aplainado?
O direito de festejar é todos.
Ninguém quer o fim da alegria, ao contrário, todos querem que esta alegria seja
suficiente para caber na vida de todo brasileiro, sem exceção, de norte a sul.
Os estádios estão vazios, não têm mais a alegria das multidões de torcedores
que enchiam as arquibancadas, as bandeiras, os instrumentos e mistura de classes,
já que os ingressos custavam um preço muito mais acessível. Claro que não se
espera que uma Copa do Mundo custe o mesmo que um Campeonato Carioca, mas o
valor cobrado superou qualquer expectativa, como tem sido desde a reforma dos
principais estádios do país. Uma ida ao Maracanã deixou de ser uma experiência
de todo carioca e se tornou a exclusiva forma de entretenimento das classes A e
B, onde um refresco de mate e um biscoito de polvilho custam mais que o sonho
de centenas de pessoas que agora precisam economizar ainda mais pra fazer algo
que costumavam fazer e, de repente, tornou-se inviável. Que tal fazer a festa
depois? Que tal fazer a festa com tudo garantido para que todos tenham sua
fatia do bolo? Que tal não cair nessa de que a gente tinha que ter protestado
antes e que agora temos é que ficar quieto? Faça festa, se você quiser, mas
saiba que a realidade não dorme e nem tira férias. Ela continua nos seus
calcanhares.